O silêncio que fala: a arte de escutar com o coração
A comunicação sempre foi e sempre será um desafio. Isso porque, entre o emissor e o receptor, sempre haverá algo chamado ruído — uma interferência que não se restringe a sons externos que atrapalham a recepção da mensagem. O ruído na comunicação também pode estar ligado a sons internos: sentimentos, emoções e desejos que impedem o receptor de decodificar corretamente a mensagem enviada. Talvez você já tenha dito ou ouvido alguém dizer: “Você está surdo? Estou falando e você não está ouvindo. Parece que está com a cabeça no mundo da lua.” No livro “Manual do Aconselhamento Cristão”, o psicólogo e pastor Neudelon Azevedo (meu colega de turma no curso de Psicologia) cita uma frase atribuída a Stephen R. Alves, que diz: “A maioria das pessoas não ouve com o intuito de entender. Elas ouvem com o intuito de responder” (2023, p. 35, Gráfica Nacional). Ou seja, ouvem com a razão e não com o coração. Escutam para decifrar, como se o ato de ouvir fosse uma autópsia do outro — pensam enquanto o outro fala: “Hum... já sei onde ele(a) quer chegar.”
Não há nada pior, em uma boa conversa, do que tentar decifrar o que o outro está dizendo. No clássico filme My Fair Lady (1964), o enredo gira em torno de uma aposta feita a nobre e culto inglês: transformar uma bela vendedora de flores, de linguagem popular, em uma dama que falasse segundo as normas cultas da língua inglesa. O erudito aceita o desafio e passa a ensinar a jovem, que, aos poucos, se apaixona por ele. Em várias tentativas de expressar seus sentimentos, é interrompida constantemente por correções de pronúncia e gramática. Exausta de tanta rigidez e de tantas interrupções, ela desabafa: “Palavras, palavras e palavras. Eu já estou cheia de palavras.”. Quem só ouve com a razão, desprezando o coração, não consegue decifrar corretamente o que está sendo dito.
Em um de seus textos, Rubem Alves, pastor e pedagogo, fala sobre a importância de escutar sem querer entender ou decifrar. Ele começa com a pergunta: “O que as pessoas mais desejam?” Respondendo em seguida: “É de alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem dizer: ‘Se eu fosse você...’. A gente ama não a pessoa que fala bonito, mas a que escuta bonito. A fala só é bonita quando nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa, e é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção.”
A comunicação, portanto, sempre será um desafio que vai muito além da gramática. No livro Inteligência Emocional, Daniel Goleman afirma que “as pessoas incapazes de transmitir e de receber emoções tendem a ter problemas em seus relacionamentos, já que muitas vezes os outros se sentem pouco à vontade com elas.” (2012, p. 138, Ed Objetiva). Percebe-se, assim, que uma boa comunicação exige mais do que palavras bem articuladas — requer sensibilidade, empatia e a capacidade de ouvir com o coração. Não é fácil, mas é necessário, especialmente nas relações mais afetivas. Parafraseando uma das passagens mais conhecidas de O Pequeno Príncipe, “o essencial é invisível aos olhos, e só se vê (se escuta) bem com o coração.”
A base de uma comunicação verdadeira não é apenas a gramática da língua, mas a gramática da alma. Palavras carregam emoções que precisam ser identificadas, separadas e, acima de tudo, sentidas. Em tempos em que todos só querem falar e poucos querem escutar, a boa comunicação está em ouvir o outro com atenção, compaixão, com o coração. Só assim o ruído que interfere e distorce a comunicação, a conversa, o diálogo, pode ser eliminado e o entendimento, a compreensão, a boa conversa pode ser estabelecida. Portanto, não ouça somente com os ouvidos. Ouça também com o coração.